Obrigada Meu Filho


Existem dias bons e dias menos bons, hoje é aquele dia que deveria ser um dos mais felizes para mim e que se transformou num dia de saudade, de dor.
O dia em que fui Mãe pela primeira vez…14 de Julho de 2001
Depois de 6 meses dentro de mim, onde tive o privilégio de sentir Vida dentro do meu Ser, de sentir o primeiro pontapé, de acompanhar o teu crescimento, quis o destino que se cumprisse o nosso acordo que viesses a este mundo 3 meses antes do tempo.
As horas que se antecederam ao teu nascimento foram de angústia, muitas decisões a serem tomadas, decisões importantes, de Vida ou de Morte.
Num minuto eu estava a dormir e no minuto seguinte tudo mudou, as máquinas a apitar, os enfermeiros e médicos a correr e eu apenas pedia para seres forte.
Acordei muitas horas mais tarde e já não te sentia dentro de mim. As primeiras palavras que ouvi foram, está tudo bem, mas neste pequeno mundo de seres minúsculos mas cheios de força, tudo muda num instante, mais tarde mostraram-me uma foto tua e disseram que em breve estaríamos juntos.
24h depois levantei-me e não reconheci o meu reflexo no espelho, o corpo mudou, a expressão mudou, eu mudei, eu era Mãe, o meu grande sonho realizado e tu precisavas de mim, mais que nunca, enquanto o meu corpo tentava voltar a recuperar eu queria apenas que sobrevivesses.
Ainda com muitas dores foi o Pai que me levou até ti, entrei nesse momento num novo mundo, um misto de emoções, conhecer-te finalmente e Medo de te perder.
No serviço onde estavas havia pessoas muito positivas e outras muito realistas, a batalha que tinhas pela frente iria ser muito longa, as hipóteses eram 50/50, confesso que nessa altura eu nem sequer pensava, apenas observava e isso bastava, aquilo que passaste nesse mês, era algo que só que experiencia pode comentar, as vezes que te picaram, as máquinas que te faziam respirar, tudo isso me fazia imensa confusão, era uma realidade que felizmente só alguns conhecem.
Chegar a casa sem ti foi doloroso e só quem passa por esta situação sabe dar o valor, eu apenas queria estar perto de ti.
Seguiu-se um mês e meio de vitórias, alegrias e cumplicidade, onde a prioridade eras apenas tu.
Fortaleci a relação com o Pai que tanto sofria como eu, criei laços fortes com Pais que sofriam como nós e amizades para a Vida, na altura se havia alguém que compreendia a nossa alegria, angústia, dor e medo eram essas pessoas, fizemos planos e acreditamos neles, principalmente no dia em que a enfermeira Carla permitiu que te pegasse ao colo, algo tão banal para uma recém Mãe, pegar no seu recém-nascido, para mim isso só aconteceu um mês depois do teu nascimento.
O teu olhar todos os dias de manhã quando nós chegávamos era uma lufada de esperança para esse dia, nessa altura aprendi a viver momento a momento, a não criar espectativas. Percebo agora que para alguém tão sonhadora e aérea como eu, este foi um momento de descer à Terra e viver sentimentos que pensei nunca superar.
Quando tudo estava encaminhado e a correr bem, quando todas as notícias eram positivas e parecia que a Luz ao fundo do túnel começava a aparecer o teu olhar mudou.
Nesse dia percebi que estavas a desistir, o meu pequeno príncipe ia desistir de lutar.
Comentei a minha preocupação e angústia com o Pai, enfermeiros e companheiros de caminhada, todos me contradisseram, me deram força e ânimo, tentaram fazer com que me alimentasse, com que me distraísse, mas se havia alguém que te conhecia a 100% era eu, e eu sabia que em breve irias seguir a tua viagem.
Quando cheguei a casa, atirei-me para cima da cama, angustiada e só com comprimidos consegui dormir, o Pai que nunca ligava aos pressentimentos da Mãe, nesse dia deixou-me a dormir e foi para perto de ti, foi com ele que passaste os teus últimos momentos terrenos.
Acordar de manhã para a realidade de já não te ter, foi um golpe muito forte, pensei nunca superar, acercaram-se de nós a família e amigos que tudo faziam para atenuar a nossa dor, impotentes, porque a dor existe para ser sentida e não aliviada.
Recomeçar sem ti, arrumar no baú, fotos, filmes, roupa, sonhos, planos, e voltar a viver, ou sobreviver, nem sei, foi doloroso, mas fez-me ficar mais Forte.
Revolta, angústia, dor, solidão, lágrimas, foi a minha realidade com apenas 22 anos e não sabia como gerir tanta emoção, mas fortaleceu-me e fez-me agarrar à Vida.
Passados 16 anos percebo que a escolha de seguir viagem foi tua, a culpa que senti durante muitos anos passou e sou grata por contigo ter partilhado tantos momentos de alegria com as nossas vitórias diárias, o teu sorriso, o teu olhar doce.
Continua a doer sim, dói muito…
Hoje o Pai perguntou como serias se estivesses connosco e eu apenas digo que serias e és um forte ser Luz que me mostrou que o Tempo ajuda a sarar as feridas, o vazio fica sempre por preencher, mas que quando me ligo à tua energia, sinto a tua Força e lembro-me que me ensinaste a lutar e a seguir em frente, aceitando as batalhas perdidas e festejando as ganhas.

Obrigada, meu Filho, por tudo, continua a guiar-me, eu vou Amar-te sempre, pois és parte de Mim.

Comentários

blog disse…
Sem palavras, estou a chorar que nem uma desalmada....

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